HARTOG, François Regime de Historicidade ITime, History and Writing of History: The order of Time — KVHAA Konferenser 37: 95-113, 1996. Trad. Heroslfflch/USP.
Neste artigo, François Hartog, historiador francês, estudioso da História Antiga e Moderna, vem travar discussão acerca do tratamento dado à dimensão temporal na História e as articulações nela contidas entre passado, presente e futuro. Defendendo a tese de que existem formas diferentes, na História, de articulação e concepção entre passado, presente e futuro interno à história da História, Hartog, neste artigo, se afasta das noções de épocas históricas, que, para ele, constituem, apenas, "recursos de periodização", aproximando-se daquilo que ele próprio identificou de "regimes de historicidades" — que são dinâmicos e respondem aos arranjos estruturais dos tempos históricos. No presente artigo, o autor fornece uma rica contribuição sobre o ofício do historiador na reflexão sobre o tempo histórico, sobre as maneiras de interpretá-lo, de se relacionar com as fontes documentais, de se fazer história.
Através do uso do conceito de "regimes de historicidade", na história da História, o autor busca fortalecer sua tese, exemplificando, dentro dos diferentes períodos históricos, a forma pela qual passado, presente e futuro se articularam e determinaram as formas de escritas da História. Ao propor uma viagem pelas diferentes formas de tempo das civilizações antigas até o século XX, precisamente até 1989, destacou dois "regimes de historicidades" e duas formas consequentes de se fazer historiografia: o primeiro regime se desenrola até o século XVII (historia magistra) e o segundo regime (história moderna) do século XVIII (1789) ao século XX (1989).
A historia magistra, discutida por Hartog, utiliza o tempo passado como referências exemplares que devem orientar as ações do presente na construção do futuro. Vê o futuro subordinado ao passado, uma vez que é deste passado que se tomam os exemplos para desenhar o futuro. No segundo regime, vê o futuro como um processo progressivo, que busca um fim. O passado é a prova de que há movimentos de superação em progresso na História e de que o mesmo (passado) não se repete e não pode servir como exemplo. Avança, ainda, na tentativa de apontar uma orientação para pensar o tempo histórico após fim do regime da modernidade (1989).
A estruturação do artigo, para o intento de evidenciar os regimes de historicidade e apontar uma orientação futura para como pensar e abordar o tempo histórico, ganha o caráter de periodização. Distingue, então, diferentes períodos históricos dentro de cada regime histórico e submete cada um deles à análise frente à articulação entre passado, presente e futuro.
O artigo segue questionando as crises internas à historia magistra e ao regime moderno, utilizando-se da reflexão realizada por alguns pensadores dentro de determinados períodos históricos. Contando com os períodos que chamou de intermediários lugar da fronteira entre a historia magistra e a implementação do regime moderno - o autor deixa clara a relativização das "rupturas" históricas entre regimes e evidência, na linha de charneira, nos momentos de *crise, a convivência entre os dois regimes. Utiliza como fonte para tal discussão as obras de historiadores e demais pensadores, dentro de alguns períodos históricos, e as toma como exemplos de confirmação para suas argumentações.
Historia magistra, aparece, então, nos períodos intermediários como p aquela que dialoga com o moderno, constituindo-se apoio para a construção do método de reflexão entre passado, presente e futuro na História.
A própria duração da historia magistra, antes da crise, desde que foi formulada ganhou um caráter de movimento de obsolescência em seu percurso, visto que 1-lartog reconhece, com surpresa, a durabilidade pouco justificada da mesrna por quase 20 séculos, passando pelas historicidades e pelas novas exigências dos tempos históricos. Da mesma forma, reconhece a mesma natureza de movimento existente internamente ao regime moderno. O presentismo, contido na proposta metodológica de pensar a História, se torna um "chão pouco seguro" e contem nele próprio as fragilidades que o levarão à crise - seja o presente que prevê o futuro, ou o presente que sustenta o futuro através da garantia da manutenção daquilo que se constitui um legado, um património.
A relação entre passado, presente e futuro dá, então, poder ao presente na trama da articulação com o passado e com o futuro; contudo, este poder não se sustenta, não se constitui enquanto um campo seguro e o futuro, que se pretende planejar, está no campo da imprevisibilidade.
A discussão da imprevisibilidade, contida no passado e no presente, é o argumento mais sólido e criativo do autor para questionar o presentismo e desenvolver sua tese, A queda do Muro de Berlim, em 1989, fundamenta sua tese de fragilidade e fim do regime moderno e a necessidade de repensar, para além dele, a relação entre passado, presente e futuro.
Se existe uma clara exigência do tempo histórico em formatar uma nova experiência intelectual, metodológica e de abordagem acerca da articulação
passado, presente e futuro, na proposta de Hartog; não há, de certo, uma clara proposta daquilo que constitui o novo orientador interno a esta nova proposta. A abordagem comparativa e a revisitação da história nacional, destacada no artigo, é pouco discutida enquanto uma nova possibilidade para pensar passado, presente e futuro dentro de um novo regime de historicidade.
Apesar da beta construção dos seus argumentos e tese acerca dos "regimes de historicidades", o artigo chega ao fim fragilizado em relação a como se deve configurar um novo paradigma epistemológico para se fazer História. Tais dúvidas, inerentes às novidades, são, também, desafiadoras. O anúncio do desafio para uma nova forma de pensar e fazer História é um dos grandes legados deste artigo de Hartog.